MOEMA

MOEMA
PAPIRUS DO EGITO

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

FRANSOUFER NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DE PARANAPUÃ – RIO DE JANEIRO

Nem nos sonhos mais mirabolantes de sua Mãe, nos seus planos mais fantasiosos ou nos seus projetos mais ambiciosos, nem com as respostas, geralmente favoráveis obtidas, quando pedia para sua comadre Antônia Curadora jogar cartas, preocupada com o futuro do seu primogênito, que desde pequeno mostrava tendências artísticas, desenhando com carvão, modelando a tabatinga retirada do fundo do riacho local onde sua mãe ia lavar a roupa da família. Na sua ignorância ela achava que essas atividades eram coisas de poetas e temia que o seu filho seguisse uma profissão diferente e desconhecida de tudo o que constituía o seu referencial de vida.
Nem mesmo quando adolescente, tendo a boa sorte de vir para São Luís e residir na casa de d. Sinhazinha Santos, exímia professora de piano de várias gerações de jovens da sociedade ludovicense, morada inteira revestida de azulejos e localizada na Rua Grande; estudar no Colégio Alberto Pinheiro, ao lado do Ateneu Teixeira Mendes, próximo do Liceu Maranhense e do Colégio Rosa Castro. Nem pelo privilégio de passar diariamente em frente ao imponente prédio da Biblioteca Pública, apreciar os bustos dos imortais maranhenses; caminhar pelas praças, avenidas, ruas, becos, subir e descer as ladeiras e escadarias cujos nomes homenageiam e reverenciam os homens ilustres que fizeram da capital do nosso Estado, a Atenas Brasileira. Nem quando, a pedido das senhoras da casa, ia aos Correios e aproveitava para contemplar a estátua de João Lisboa, na imobilidade do bronze, lendo o seu jornal, a de Benedito Leite, altaneiro, na pracinha que leva o seu nome e, quando o tempo e os afazeres permitiam admirar a herma de Odorico Mendes e um pouco adiante, no Largo dos Amores, a estátua imponente do nosso poeta maior, Gonçalves Dias, testemunhando o desaguamento do Rio Anil  na Baia de São Marcos, a lembrar-nos que pereceu no mar, voltando para a terra natal.
Nem mesmo quando começou a mostrar timidamente, no colégio, os seus primeiros desenhos coloridos com lápis, tão desejados na sua infância de menino pobre do interior; ele não almejava ganhar carrinhos, aviões, espingarda de chumbinho, nem quebra-cabeças que levam a criançada ao delírio e que seus pais não poderiam comprar-lhe. Ele só desejava um caderno de desenho com folhas presas por espiral e uma caixa de lápis de cor, daquelas grandes e de matizes diferentes, o que só conseguiu aos catorze anos, com o seu primeiro salário, como office-boy do Lord Hotel.
Nem quando foi aprimorar-se em Brasília, fazendo cursos de desenho e pintura, participando de gincanas, depois em exposições coletivas com outros jovens artistas, quando passou a assinar-se Fransoufer, pela junção das iniciais do seu prenome com os seus nomes Sousa e Ferreira; mais tarde em São Luís, dono de um estilo próprio, divulgando o folclore de sua região, homenageando seu santo protetor, São Francisco, inicialmente com uma paleta em tons pastéis e depois em cores vivas como o defensor dos animais deve ser lembrado.
Nem quando pintor já reconhecido, começou a fazer exposições individuais nas principais capitais do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, recebendo premiações em ouro, prata e bronze. Nem quando a sua atividade artística começou a ser divulgada na mídia, em documentários veiculados a nível nacional, reportagens, músicas carnavalescas de Escolas de Samba de São Luís e através de monografias e teses de dissertação do Curso de Letras das Universidades. Nem quando algumas obras suas foram exibidas em outdoors, espalhados nos quatro cantos da cidade, calendários, cartões natalinos, distribuídos às grandes empresas, capa de agenda de professores da rede pública e integrar como artista maranhense, capítulo de livros de Educação Artística, adotados em todo o Estado. Nem mesmo quando dez obras suas foram estampadas em dois milhões de cartões telefônicos, inundando o Rio de Janeiro.
Nem mesmo quando foi premiado em Bruxelas – menção honrosa, numa obra cujo tema é o bumba-meu- boi do Maranhão.
Nem mesmo quando demonstrou a versatilidade do seu talento ao ter os seus temas moldados na argila, formando escola – Cerâmica Jaburu -, ensinando meninos do seu povoado a arte de trabalhar com o barro que pisam desde que começaram a dar seus primeiros passos, dando-lhes a oportunidade que ele não tivera; os seus desenhos reproduzidos em redes confeccionadas em teares, por mulheres da sua gente; e nos tapetes tecidos por mulheres carentes, moradoras de várias invasões que cercam nossa cidade, trabalhos esses expostos e premiados aqui em São Luís e no Rio de Janeiro.
Nem mesmo quando foi condecorado com o Escudo de Prata, na década de 80, pelo Ministro de Minas e Energia, César Cals, na abertura da Semana do Meio Ambiente, pelos temas abordados em seus quadros, em reconhecimento à sua postura em defesa da Ecologia. Nem quando recebeu uma das críticas mais favoráveis feitas pelo romancistar conterrâneo, Josué Montello e publicada na Revista Manchete, nessa época a revista de maior circulação nacional; também, do escritor Marcos Vinícius Vilaça, ambos levados ao seu ateliê em Brasília, pelo Sen. José Sarney, ex-Presidente da República, também poeta, cronista e romancista e pintor diletante, todos os três, membros efetivos da Academia Brasileira de Letras.Outras excelentes críticas que o impulsionaram a seguir em frente, da artista plástica mineira Maristela Tristão, de Sidartha, pintor brasiliense e outros tantos críticos das cidades onde expôs e daqui de São Luís, críticas generosas do escritor, teatrólogo e crítico de arte, Ubiratan Teixeira, do poeta e cronista Ivan Sarney, do saudoso poeta, biógrafo e ensaísta Carlos Cunha, do escritor Cloves Sena, todos pertencentes à Academia Maranhense de Letras. Do seu grande mestre, sempre reverenciado, Nagy Lajos, notável artista desterrado em nossa cidade e do grande, e também saudoso amigo, Ambrósio Amorim que fez de sua arte um canto de paixão a São Luís.
Entretanto, nenhuma dessas premiações em reconhecimento ao seu talento o fizeram tão desvanecido, como o convite formulado por um pequeno grupo de artistas plásticos, radicados no Rio, para fazer parte do quadro de membros da Academia de Letras e Artes de Paranapuã e tomar posse, como membro correspondente, na mui heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A grata surpresa se deveu ao fato de ser a cadeira patroneada por Flory Gama, um dos mais ilustres escultores brasileiros, nascido em solo maranhense, no município de Vargem Grande.
Com sede no Bairro da Tijuca, zona norte do Rio, referida Academia congrega escritores, poetas, pintores, escultores de reconhecido valor, de todos os estados brasileiros.
Fransoufer, entretanto nunca perdeu a modéstia, a timidez, nem a vaidade deturpou-lhe o caráter, fazendo esquecer-se das suas origens interioranas, do interior do Maranhão, que talvez, não o prestigie na medida do seu talento.
Nascido no povoado Mojó, distrito do município de Bequimão, localizado na Baixada Maranhense, palmilhada por tribos indígenas desde os albores do século XVIII, quando era denominado Santo Antônio e Almas, foi criado até os nove anos por seus pais, lavradores semi-alfabetizados, que praticavam uma lavoura de subsistência, baseada unicamente nos conhecimentos rudimentares adquiridos dos seus antepassados, ou seja, a queima indiscriminada da cobertura vegetal, preparando, assim, a terra para o plantio da mandioca com a qual é feita a farinha, base da alimentação do maranhense pobre do interior.
Como filho mais velho de uma prole de oito, acompanhava seus pais nesse labor, arrancando ervas daninhas nas leiras tão arduamente cultivadas. Além da mandioca plantavam feijão, macacheira, batata doce, jerimum e um pouco de milho para ração dos animais que criavam no terreiro de sua casinha.
Embora a terra costume ser generosa, quando manejada com descaso, cobra um preço razoável, esgotando os seus nutrientes, carecendo de um certo tempo para a recuperação dos minerais, necessários para o desenvolvimento das raízes da mandioca. Isso levava seus pais a mudarem constantemente os seus roçados, em busca de terras menos cansadas e, consequentemente mais férteis.
Durante esse período, Chiquinho como era chamado carinhosamente pelos familiares, não teve
oportunidade para alfabetizar-se, ocupado que estava, ora ajudando seus pais na roça, caçadas e pescarias, ora cuidando dos seus irmão mais novos que chegavam, regularmente, com intervalo de dois anos.
Aos nove anos começou a tardia e difícil tarefa de alfabetizar-se numa escolinha do povoado, distante alguns quilômetros de sua casa, por insistência de sua mãe que queria que o seu primogênito fosse bem sucedido na vida, temendo que se tornasse mais um roceiro analfabeto, curtido pelo sol inclemente da Baixada, tendo como única alternativa ser tocador de zabumba, como seu pai.
Essas suas origens rurais propiciaram-lhe um contato constante com a natureza e com os costumes regionais e suas poucas atividades culturais, que se resumiam às brincadeiras de bumba-meu-boi, no período junino,às festas do Divino, às raras festas religiosas, geralmente em homenagem ao padroeiro São Sebastião, com procissão, missas, ladainhas e quermesse; às pouquíssimas festas de batizado e casamento, às sessões de terecô e cura. Essas foram, provavelmente, as atividades decisivas para inspirar e fazer desabrochar a sua vocação, que não fora herdada, pois nunca soube de avós artistas, mas, certamente forjada naquele caldeirão cultural em que borbulham as crendices dos descendentes de escravos africanos, remanescentes nos vários quilombos instalados na região; as lendas deixadas pelos índios que habitaram aquele pedaço de chão, temperadas por laivos genéticos dos brancos descendentes de portugueses, provenientes de Alcântara e Guimarães e, mais tarde dos cearenses acossados pelas inúmeras secas no seu Estado.
Ainda garoto, começou a modelar as suas primeiras peças de cerâmica, usando a tabatinga retirada no fundo do rio usado por sua mãe para lavar a roupa da família. Essas peças, toscas reproduziam o cotidiano do menino, e eram postas para secar sobre as folhas das vitórias-régias e depois levadas orgulhosamente para enfeitar a sua casa.
Com a idade de dez anos fora trazido para São Luís por sua madrinha e tia Dionísia, irmã de sua mãe, abrindo-lhe novos horizontes.
Simples, modesto, generoso, solidário, compassivo, avesso a festas e bajulações, Fransoufer vive, exclusivamente, para a sua arte, confinado em seu ateliê no Sítio Leal e nos fins de semana visitando o seu velho pai, no Sítio Canaã, em Bequimão.

ADMIRAÇÃO E AMIZADE – Senha que abriu corações

Marita Lobato Gonçalves *

Era uma cálida tarde de verão em Pinheiro. Sentadas à porta da Pharmácia da Paz, Inez e eu conversávamos sobre amenidades. Tendo sido, na adolescência, afilhada da minha mãe (que Inez chamava madrinha Carmen) essa fora a senha com a qual, desde sempre, nos aproximamos e desenvolvemos, a partir dos anos 50, uma amizade de família.
Recém casada e chegada há pouco tempo na cidade, nesses nossos constantes encontros eu quase só ouvia, sem deixar de extasiar-me com o colorido que ela dava aos relatos e detalhes de sua privilegiada memória.
Os filhos de Inez já estudavam na capital e ela me falava muito do passado: dos seus pais, da amizade com a minha mãe e tias, do seu primeiro casamento, do nascimento dos filhos.
O primeiro banho de Aymoré fora dado por seu pai, o farmacêutico José Paulo Alvim em uma enorme bacia de porcelana verde (que eu conheci) onde, junto às ervas aromáticas, alecrim e alfazema, foram colocadas moedas de prata (de ouro, também?), costume difundido naquela época que preconizava riqueza, fortuna, felicidade.
O tempo passou...
Pinheiro amanhecera banhada de neblina que encobria com sua fina camada de tule os relevos das ruas e casas, amaciando as sombras da noite. De repente um sol radioso e lindo surge no horizonte, lá para as bandas do oiteiro Peito de Moça, tingindo de dourado os lugares que ele acabara de tocar com os seus raios resplandecentes.
Inez conta que mal dormira na noite anterior. O acontecimento que iria desenrolar-se em sua casa, dentro de vinte e quatro horas, havia lhe tirado o sono. Formado, seu filho mais velho, estava voltando para casa. Nossas famílias entrelaçadas por fortes laços de admiração e amizade deram-me respaldo para colocar-me à disposição para o que fosse preciso. Moema, com a tenacidade que lhe é peculiar, estava fazendo pós-graduação no Rio de Janeiro, projetando o seu lugar ao sol. Inez sentia-se sozinha. Casada em segundas núpcias com o poeta Abílio da Silva Loureiro, grande companheiro não possuía, como o primeiro, o dom de resolver com maestria todas as providências a serem tomadas no lar. Eram essas as preocupações de Inez. O que fazer? Como fazer? Por onde começar?
Foi aí que entrei em cena. Sabia que o coração daquela mãe estava vibrando de felicidade. Há alguns anos levara pelas mãos um adolescente para estudar em São Luís. Formado, estava voltando. Congratulei-me com ela e lhe prometi transformar a sua casa num ambiente acolhedor e festivo, para um filho especial.
E assim pus mãos à obra!
Abrí buffets, cristaleira, petisqueiro, guarda-louças. De dentro foram surgindo belíssimas peças de prata, porcelana e cristal que, depois de lavadas, faiscavam irisadas. Com ela fui dando um toque de arte e beleza nos móveis e nas salas, antes sem graça e quase tristes. Nos vasos e cachê pots os arranjos de flores foram surgindo, dando à casa alegria, beleza e o colorido que transparecia dos corações de toda a família. Dos baús e das arcas de cedro foram retiradas colchas e lençóis de linho e percal que íamos cobrindo as camas de todos os aposentos.
Na tosca cozinha o velho fogão de lenha impunha-se altivo, cercado de fogareiros onde fumegavam iguarias da época: galinhas ao molho pardo, torta de miúdos, pernil e farofa, além da panela de bagrinhos, carro chefe das gostosuras da cozinha pinheirense.
Na sala de jantar a mesa coberta com uma toalha bordada de richelieu expunha as louças, copos de cristal, talheres guardados para ocasiões especiais. Tudo ficou incrivelmente lindo!
Aymoré saira de Pinheiro, ainda garoto de calças curtas, tímido e de olhar cheio de curiosidade, receio e expectativa, retornando com porte de cavalheiro, esbelto, ainda tímido, mas com um sorriso com misto de charme e sinceridade. O jovem de ontem voltou vestido de branco. É um médico! Inez é a personificação da felicidade e do orgulho, pois seu filho foi o primeiro a formar-se na família Castro. Mas...Aymoré não viera sozinho. Ao seu lado uma linda mulher de belo sorriso e com uns olhos encantadoramente brilhantes. Também era médica. Maria Augusta Brahuna que marcaria presença em toda a sua vida. Foram felizes sempre, mas partiu primeiro. Agora é um anjo.
Se o Sr. Zé Alvim fosse vivo, pensaria filosoficamente, como sempre pensou:
“As ervas perfumadas e as moedas de prata e ouro que coloquei no banho deste menino, deram-lhe a ventura da inteligência, a felicidade de ser um homem correto e a riqueza da integridade do seu caráter.”

* Membro fundador da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC)

PREFÁCIO DO LIVRO “PINHEIRO EM FOCO” DE AYMORÉ DE CASTRO ALVIM

Moema de Castro Alvim *

Sinto-me bastante lisonjeada pela distinção do convite que me formulou o meu irmão e autor deste livro, para prefaciá-lo.
Fiz-lhe ver, no momento, que tal incumbência estaria mais adequada se confiada a um historiador que, por dever de ofício, poderia fazer uma análise em maior profundidade e emitir um parecer crítico do seu conteúdo.
Pesou no contra-argumento, a decisão, não pelos laços afetivos mas, pelo fato de haver participado, desde os primeiros momentos, da gestação e desenvolvimento do projeto, quando sentávamos minha cunhada Maria Augusta e eu para analisar cada detalhe, expressar-lhe a nossa opinião e auxiliá-lo na revisão de cada página que ia sendo produzida.
Por tudo isso, passei a sentir-me à vontade para emitir o meu juízo de valor sobre o trabalho.
Foi um grande desafio, na medida em que as tarefas passaram a exigir-lhe dedicação e muita persistência. Com tais ferramentas, Aymoré mergulhou nos acervos do Arquivo Público do Estado e da Biblioteca Pública Benedito Leite. Analisava cada documento, fazia apontamentos, xerocópias, tirava fotos. Comparava-os com as informações colhidas em Cidade de Pinheiro e os confrontava com as entrevistas feitas com pessoas que vivenciaram alguns dos eventos que queria registrar n sua obra.
Por fim, eis o trabalho concluído. Abstenho-me de considerá-lo uma tarefa complicada. Trabalhosa, sim. Mas com vontade, determinação e muita dedicação, esmerou-se o autor para nos presentear um conjunto de informações sobre a história de Pinheiro, principalmente nos seus primeiros anos.
Distribuido num encadeamento lógico e sistemático, o seu êxito está em permitir-nos, numa disposição simples e transparente, o conhecimento de fatos que, possivelmente, poderiam estar fadadas ao desaparecimento.
É uma significativa contribuição ao resgate da memória de Pinheiro e do seu povo e que ora é posta à disposição de professores e alunos, bem como de todos os que acreditam que o preservar das informações de gerações passadas é um forte alicerce sobre o qual repousa o êxito das gerações futuras.

* Livreira e membro fundador da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC)

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Minhas Reminiscências

Quando eu nascí, o mano Aymoré já estava no mundo há dois anos. Era o bijou da família. O nome que atualmente tem conotação pouco lisonjeira, usado para denominar jóias falsas ou bijuterias. Mas o nosso bijou, com o passar dos anos foi se transformando numa gema rara, preciosa e hoje é o diamante que conhecemos e admiramos, lapidado ao longo de uma trajetória de impoluta vida pessoal e profícua carreira profissional. É motivo de orgulho para nossa família, para seus filhos e neto, para a cidade de Pinheiro que o considera um dos seus filhos mais ilustres e para todo o Maranhão que o conhece como um grande mestre e um dos varões mais respeitáveis e honrados. No fim de 2012 foi condecorado com a Comenda do Mérito Timbira, a mais elevada do Estado, pelo seu trabalho na área de Educação.
Também a edilidade de São Luís, cidade na qual Aymoré presta os seus serviços, iniciados como médico há 46 anos e 40 como professor universitário, outorgou-lhe a Comenda Simão Estácio da Silveira, a maior honraria da Câmara de Vereadores.
A sua posição como primogênito e favorito do casal Inez de Castro e José Alvim, nunca causou aos outros irmãos, resquícios de desconforto e inveja. Ao contrário, queríamos sempre imitá-lo, participar das brincadeiras que criava e liderava e, quando possível, partilhar do sucesso que obtinha com os amigos dos nossos pais, vizinhos e parentes.
Cada um de nós ocupava um lugar especial na família, sem disputas, nem ressentimentos. Aymoré, o primogênito, o esperado, o abre-alas; eu, o recheio, a queridinha do papai, a nega de mamãe, a xanxan das tias. José Paulo que herdou o nome do nosso pai, era o benjamin, o raspa de tacho, o caçula que fechou a primeira geração do clã dos Alvim.
Cleuber Cláudio e Tatiana vieram depois de outro consórcio de mamãe, após a sua viuvez
Voltando à infância, Aymoré era o líder de nossas as nossas brincadeiras e, na maioria das vezes eu era a sua coadjuvante;
- Bumba-boi: ele era o cantador, o balhante mais destacado com o seu maracá, enquanto eu enfeitava o couro do boi, com canutilhos e miçangas assim como os chapéus de todos os brincantes.
- Festa do Divino: ele o mestre de cerimônias, eu a coreira, a tocadora de caixa, além de recrutar primas e vizinhas para caixeiras. Também era responsável pela decoração do mastro, erguido pelos outros garotos no início das festas e derrubado no último dia, com grande algazarra de todos.
- Explorador de petróleo: à época em que uma equipe de engenheiros americanos chegou à região para trabalhos de prospecção no lugar Tiquira. Nessa brincadeira eu ficava de longe pois envolvia o uso de bombas de morrão, usadas para anunciar a descoberta do produto. O encanamento era feito com talos de folhas de mamoeiro, unidos com tubos de borracha de irrigador e o petróleo era obtido da mistura de azeite de carrapato com querosene. Muito criativo, não?
- Médico: bem, as primas e vizinhas eram as pacientes. Eu era apenas a atendente e enfermeira.
Outras brincadeiras eram o futebol, ele o artilheiro, eu a goleira do time; jogo de botão, empinar papagaios confeccionados por mim com talo de bambu e papel de seda; carrinhos de rolimã, bolinhas de gude ou borroca e também de delegado de polícia. Pobre da turma que passava nas imediações lá de casa: era julgado sumariamente e jogado no calabouço em cujo piso Aymoré punha areia misturada com sal e urina. Abraão e Gutemberg (Seu Guta) eram as maiores vítimas.
Também confeccionava máquinas de filmar, usando uma caixa de papelão com lentes de vidro para projetar filmes, feitos com papel celofane desenhados por ele.
Aos onze anos ele pediu para mamãe um dos pequenos quartos próximos da copa, usados geralmente para alojar hóspedes. Com o auxílio de caixotes e do marceneiro Seu Benedito que vivia a essa época em nossa casa fazendo com cedro polido, no capricho, o caixão de papai, ainda saudável, mas previdente, pois dizia que quando morresse não queria dar trabalho à viúva. Várias plaquetas eram pregadas no caixão, com dizeres em latim. Lembro-me apenas da que ficava na cabeceira: "Consumatus est". Pois bem, o citado carpinteiro fez um console que era coberto com toalhas de labirinto, deixadas por nossa avó paterna. Os paramentos foram conseguidos por Cecé, nossa tia querida, que aproveitou as peças descartadas da Matriz de Santo Inácio; as hóstias eram cápsulas de amido subtraídas da farmácia de assim como o vinho moscatel usado por papai na manipulação de tinturas.O pregador era Aderaldo ainda hoje nosso amigo e confrade na APLAC; Inacinho, nosso primo, o bispo para quem se preparava com as colchas de cama de mamãe um suntuoso trono; a mitra também era feita por mim, com cartolina, arminho e orvalho colados com goma arábica. Nessa capela, Aymoré era o celebrante, o confessor e ministrava batizados, extrema-unção. Esta última atividade era feita com tanta convicção que até ele ficou convencido da vocação religiosa. Antonio Carlos Lobato e Fuad Amate seminaristas à época, encarregaram-se de recomendá-lo ao Reitor do Seminário Santo Antônio, após a morte de papai.
Impressionava mesmo a seriedade com que Aymoré dirigia os ritos religiosos, as ladainhas e procissões, principalmente na Semana Santa. Gutemberg que morava na casa do Dr. Hélio Costa na rua detrás da nossa, padecia debaixo das chibatadas dos soldados romanos, após o julgamento por Pilatos, após a famosa lavagem das mãos. Aymoré fazia o papel de Nero e de Pilatos com maestria. A via-sacra era, também impressionante.
Porém a melhor de todas as fases foi quando ele ganhou uma bicicleta. Ele teria nessa época entre 11 e 12 anos. Claro que ele ensinaria à mana: aprumou-me no selim da dita cuja, deu o impulso do alto do canto da casa dos familiares do Pe. Newton e empurrou a bicicleta ladeira abaixo, indo estatelar-me na calçada da casa de José Veloso. Foi um quedão. As ruas de Pinheiro tinham sido recentemente piçarradas pelo prefeito em exercício Paulo Reis Castro, nosso tio, irmão mais velho de mamãe. Apesar dos arranhões provocados pelas pedrinhas valeu à pena. A partir dessa experiência, perderia por completo o medo de andar de bicicleta, tornando-me exímia ciclista, participando de corridas e porfias, vencendo quase sempre.
Aos doze anos, Aymoré era o terror das professoras. Que o digam as professoras Maria Quitéria no Odorico Mendes e Terezinha Leite Guterres na Escola Paroquial. Os emissários com bilhetes para
papai eram freqüentes, contando as proezas do mano. Papai, então, mandava-o apanhar o rebenque feito de couro cru, ensebá-lo e só então lhe aplicava o devido corretivo.
Papai apesar de amá-lo não lhe dava refresco, talvez, até por importar-se tanto com o seu futuro. Não o mimava: de manhã cedinho, Zé Alvim se punha na janela, inspecionando a varreção da calçada a cargo de Aymoré. Os transeuntes, a caminho do mercado ou da igreja, ficavam indignados com essa forma do pai disciplinar o filho, ensinando-o, também a ser obediente e sem orgulho. E olhem que na nossa casa, entre cozinheira, lavadeira, arrumadeira, agregados e aderentes havia de 8 a 10 pessoas, até jardineiro.
Aymoré sempre foi curioso. Perguntava tudo e a todos; quando ele passava pela nossa rua os vizinhos fechavam portas e janelas, para evitarem as perguntas, cujas respostas não sabiam, do filho de Zé Alvim.
Aos 11 anos nosso pai achou que era hora do seu primogênito aprender um ofício: nada de ficar de bobeira durante as férias, pois os livros que ele nos comprava não nos seguravam mais em casa. Éramos ativos demais para a sua idade, aos sessenta anos. Aymoré foi inicialmente soprar fole na oficina do seu compadre Demetrinho Ramalho; nas férias seguintes a oficina escolhida foi a do sapateiro José Pedro Amengol, onde passava as tardes batendo sola. Depois foi a vez do aprendizado de barbeiro com o seu amigo José Costa de quem era cliente. Para Moema, prendas domésticas: renda de almofada, bordados à mão com Doninha do Seu Leude, coletor estadual.
Após a morte de papai, em dezembro de 1952, o meu parceiro de brincadeiras e estripulias (já ia esquecendo os trapézios, balanços e escorregas) foi para o Seminário Santo Antônio, em São Luis, para preparar-se para a ordenação.
Em 1957, com o curriculum enriquecido por outras atividades como a poesia, teatro, até canto e oratória. Aymoré descobriu que não tinha vocação sacerdotal e deixou o Seminário. A fama de conquistador veio dos tempos de seminarista, aliando a pinta de galã com o charme de saber Latim. As alunas pululavam em casa para desespero de mamãe.
Nessa época ocorreu uma pane no velho motor a diesel e a cidade passou uns bons dois anos às escuras. O vigário da paróquia, o saudoso Pe. Luiz Zecchinato providenciou energia para funcionamento da nossa eletrola, desde que custeássemos a fiação. E assim foi feito. Nas férias os jovens se reuniam lá em casa e até que mamãe os pusessem porta a fora, dançávamos os boleros tocados por Irany e seu conjunto, as canções latino-americanas na voz de Nat King Cole, mambos, rumbas, sambas.
Fizeram parte desse grupo os primos Tinche e Lauro, os irmãos Leite Jurandy, Leitinho e Erasmo, os irmãos Durans Darly, Niedja e Danilo, as irmãs Castro, nossas primas, Maria Helena e Socorro, os irmãos Santos José Maria, Maria Alice e Delfina, Flory Moraes, Edméa Carvalho, Cristina Rocha, Sofia e Cindoquinha Castro, Eldonor Cunha, Ernaldo Peixoto, Ary Abreu, Ribamar Martins, Capitão (João Leite) e Florêncio Ferreira, estes últimos um pouco mais velhos do que nós. Muitos desses parceiros de tertúlias são nossos amigos até hoje, alguns comadres e compadres, confrades na APLAC, mas alguns já faleceram.
Após sair do Seminário, Aymoré estudou no Colégio São Luís do Prof. Luiz Rego, onde além de estudar participava de shows, cantando. Também cantou várias vezes em programas de calouros das Rádio Timbira, sendo algumas vezes gongado, porém na maioria deles levava para a pensão da Tia Celsa, onde morava, pacotes de café, sabão e outros prêmios distribuídos pelos patrocinadores.
Já me alonguei bastante. A memória ainda é boa, mas satura quem não participou dessa quadra da nossa vida. Em outra oportunidade contarei o resto.
Só queria deixar, neste texto, patenteada a minha gratidão ao mano por ter aceitado substituir-me na cadeira de Parasitologia, quando saí para fazer o curso de mestrado na UFMG, imprescindível para deslanchar a minha carreira como docente e pesquisadora na UFMA e desculpar-me por desviar as suas atividades profissionais, de médico obstetra para professor de Parasitologia, exercendo esse mister por 40 anos. Nesse período exerceu por oito anos a chefia do Departamento de Patologia, foi chefe de gabinete no reitorado do prof. Aldy Melo, Pró-Reitor de Graduação. Um dos idealizadores e fundadores da Fundação Sousândrade, fundou, também, a Sociedade de Parasitologia e Doenças Tropicais do Maranhão e juntamente com a sua esposa, também professora Dra. Maria Augusta Brahuna Alvim e sua irmã Moema, desenvolveram várias pesquisas em Esquistossomose, Verminoses e Leishmanioses. Após a aposentadoria, fundou a Sociedade Maranhense de História da Medicina, que congrega médicos especializados em várias áreas e interessados em estudar e deixar para os sucessores os seus conhecimentos e o início das várias especializações da Medicina no Maranhão. Também é membro atuante do IHGM, da Academia de Medicina e membro fundador e Secretário Geral da APLAC.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

INAUGURAÇÃO DA CASA DE BEQUIMÃO


Neste momento em que se inaugura esta Casa, concretização de um sonho acalentado há anos, cheio de júbilo, explodindo de orgulho por participar, como coadjuvante, desta solenidade, deixo aqui consignados os agradecimentos em meu nome e do povo de Bequimão pela iniciativa da criação deste Centro onde serão expostos e comercializados o nosso Artesanato, nossas pinturas e esculturas, nossa música, enfim, as artes através das quais a nossa gente se expressa e se comunica com os seus concidadãos.
Quero também deixar aqui patenteado, como Secretário Municipal de Cultura, o meu compromisso de fomentar e realizar ações culturais voltadas para as necessidades do nosso povo, resgatando tradições já esquecidas, apoiando, incentivando as já existentes, sem criar modismos, nem tentar imitar alhures.
Pretendo, outrossim retomar as atividades artesanais, até agora negligenciadas, as quais num passado não muito remoto, fizeram da antiga Vila de Santo Antônio e Almas, uma referência na Baixada Maranhense. Quero, como todos os bequimãoenses ouvir e fazer com que todo o Maranhão ouça a música dos fusos dos nossos teares na tecedura das redes; queremos ver a fumaça dos nossos fornos na queima de alguidares, potes, vasos, tijolos e telhas. Queremos sentir a azáfama do nosso povo produzindo e não só esperando as benesses do Poder Público.

E é por acreditar em tudo isso que aceitei voltar às minhas raízes para fazer despertar nos jovens conterrâneos aquela chama que aquece a minha vida e ilumina os meus caminhos.
Eu quero ajudar a despertar-lhes sua sensibilidade onírica, fazendo-os trabalhar com um material bem nosso conhecido, o barro que pisamos desde que começamos a dar os primeiros passos, criando obras de arte que possam ser reconhecidas em todo o País, pois somente assim conseguiremos elevar o nível sócio-econômico e cultural do nosso povo.
E eu pretendo ser o instrumento dessa mudança, eu que saí do Mojó aos dez anos de idade com uma mão na frente e outra atrás, como se diz, para retornar à minha terra com um nome conhecido em quase todo o Brasil, sem nunca esconder as minhas origens, grato a este povo que me viu nascer e crescer e que sempre prestigiou os meus trabalhos.
Eu quero e posso despertar em nossos jovens as suas potencialidades artísticas que jazem latentes em seus intelectos, sufocadas pela luta insana e quotidiana pela sobrevivência.
Com a ajuda e colaboração de todos, pretendo criar em cada povoado um pequeno núcleo cultural, deixando a cargo da comunidade o livre arbítrio, a iniciativa da escolha de suas atividades vocacionais que vão da organização de grupos folclóricos, como o bumba-meu-boi, o tambor de crioula, o terecô, os pastorais e reisados aos festejos cívicos e religiosos, festas carnavalescas de rua, teatro, pintura mural e de quadros, cerâmica, artesanato de fio, fibra, madeira, etc.
A mim caberá a tarefa de orientar, reivindicar o suporte financeiro necessário, monitorar os gastos, prestar contas, difundir, estimular a criatividade, descobrir talentos, organizar exposições, feiras, eventos, conseguir mercado para a comercialização dos produtos. Em todas essas etapas sei que posso contar com a colaboração de todos.
Quem sabe com o apoio de uma equipe de pessoas de boa vontade não estaremos em pouco tempo exportando a Cerâmica Jaburu, já por mim iniciada, com o rótulo “ Made in Bequimão”!
Agradeço a confiança depositada em nosso trabalho, reafirmando o compromisso de colaborar para colocar uma seta com muito brilho nos caminhos da Baixada e uma estrela-guia no mapa turístico do Maranhão.                                                    
                                                                                                                                             Fransoufer

Resultado dessa indicação como Secretário Municipal de Cultura: sem ajuda do poder público e contando com meus próprios esforços e de alguns jovens, construímos uma casa simples nas proximidades da minha casa para servir de oficina para as atividades de cerâmica, queimadas num forno artesanal da minha propriedade. As peças produzidas foram expostas em duas ocasiões diferentes em São Luís: no Shopping São Luís e na Galeria de artes do SENAC. Também conseguimos que as peças ficassem expostas à venda em várias casas de artesanato da Capital, inclusive na Casa de Bequimão, com trabalhos em lã, madeira, fibra e com outros materiais fabricados por artesãos locais. Infelizmente esse espaço, orgulho da nossa gente, pois fora uma das primeiras criadas por municípios maranhenses, cerrou suas atividades por falta de pagamento do aluguel e das contas de água, energia e IPTU.
Também comprei às minhas expensas fios e anilinas distribuídas às artesãs que ainda sabiam tecer redes. Poucas unidades foram vendidas, embora o trabalho fosse de excelente qualidade e os desenhos da minha autoria, expostas em São Luis na sede do SENAC.
Desenvolvemos com mulheres moradoras de comunidades carentes trabalhos de tapeçaria, com desenhos de minha autoria. Referidos trabalhos também foram expostos no Shopping São Luís e na Galeria do SENAC.
Fiz oficinas em vários povoados não só de Bequimão mas de Alcântara cujos moradores descendentes dos quilombolas já tivessem prática em moldar cerâmica utilitária (vasos, potes, bilhas, alguidares).
Outra atividade desenvolvida, também sem apoio oficial, resultou da coleta de garrafas pet e outros artefatos jogados no lixo e que foram reutilizadas na confecção de jarros, flores e outros enfeites.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

COMENTÁRIOS ao livro CONTOS E CRÔNICAS DE UM PINHEIRENSE de AYMORÉ DE CASTRO ALVIM

Moema de Castro Alvim *
Aymoré, por vocação e destino, encaminhou-se para a Medicina e para a docência, tornando-se professor de Parasitologia Médica, na Universidade Federal do Maranhão. Dedicou-se, também, à pesquisa por entender, desde cedo, que essa atividade é inerente às próprias funções, sendo imprescindível para a produção de conhecimentos novos e formação científica dos alunos.
Dedicou-se com sucesso à burocracia, tendo sido Chefe do Departamento de Patologia, Chefe de Gabinete no Reitorado do Prof. Aldy Mello, Pró-Reitor de Graduação, além de ter participado de todos os Conselhos Superiores da Universidade. Um dos idealizadores da Fundação Sousândrade, participa ativamente no Conselho Curador dessa entidade.
No cumprimento dessas tarefas, produziu, ainda, dezenas de trabalhos publicados em periódicos especializados e apresentados em conclaves da área.
Após consolidar a sua carreira universitária, voltou-se para a literatura, um dos vieses do seu talento versátil extravasado na juventude, através de sonetos românticos e acrósticos. Fora a colheita da mocidade. No jornal “Cidade de Pinheiro”e no Jornal Pequeno, Aymoré passou a publicar artigos de cunho médico, histórico de interesse atual, às vezes polêmicos e controversos, como aborto, células-tronco, teorias sobre a origem do Universo, além de crônicas, abordando os usos e costumes dos moradores de Pinheiro, nos primeiros decênios de sua autonomia como vila e, mais tarde, como cidade a partir de 1920. Alguns dos seus trabalhos são, também, publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do qual é membro efetivo. Há dois anos fundou a Sociedade Maranhense de História da Medicina que congrega médicos interessados nesse domínio, tendo já realizado o 1@ Congresso aqui em São Luís.
Atualmente, através de meios virtuais (blog, site, Facebook) divulga poesias da fase madura, as quais provavelmente serão publicadas em livro.
Entretanto, o ponto culminante da sua trajetória literária deu-se em 2006 ao publicar Pinheiro em foco, revelando o conteúdo de documentos, até então inéditos, sobre a criação do município de Pinheiro, coletados através de uma meticulosa investigação em fontes primárias mantidas no Arquivo Público, assim como a administração da Vila desde a sua emancipação até o fim da República Velha.
Agora Aymoré traz a lume, enfeixadas em livro reminiscências da sua meninice passada inteiramente em Pinheiro. São flashes de episódios ocorridos nessa cidade, geralmente pitorescos, aos quais o autor conferiu o odor de sua nostalgia e o colorido da sua saudade, dando-lhe o ritmo necessário para tornar a leitura prazerosa.
Alguns episódios chegam a comover-nos, refletindo a pureza e ingenuidade dos seus protagonistas. Outros provocam hilaridade pelo inusitado das situações, mas, nesses casos, Aymoré usa nomes fictícios, principalmente dos personagens já falecidos, para evitar constrangimentos dos parentes.
Todos esses fatos, sem uma sequência conológica rígida, resgatam brumas pretéritas das distantes décadas de 1940-50, revelando costumes vigentes na pacata e agradável Pinheiro daquele tempo, num enorme contraste com a cidade atual, estranha e violenta, com suas ruas congestionadas por um trânsito caótico e barulhento. É como se a cidade houvesse perdido a sua alma em troca de uma modernização equivocada, confundida como progresso, evidenciada pelo crescimento desorganizado que se expandiu para além de sua capacidade física e ambiental, destruindo e invadindo seus campos, poluindo as águas da tão encantadora Faveira.
Em quase todos os episódios, Aymoré como porta-voz de uma feição romântica saudosista, procura salvar o que ainda resta de uma cidade que, infelizmente hoje, só existe em nossas lembranças.
Esse amor incontido por Pinheiro reflete a inconformidade com as modificações atuais, com a destruição do seu patrimônio histórico, incapazes de conviver, harmoniosamente, com uma arquitetura humanizada que deu à cidade o título de Princesa da Baixada.
* Livreira e Membro Fundador da APLAC

SOBRE O LIVRO “CRÔNICAS E CONTOS DE UM PINHEIRENSE” DE AYMORÉ DE CASTRO ALVIM


Depois de um jejum de quase dois anos a Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC) tem a satisfação de lançar o segundo livro do nosso confrade Aymoré de Castro Alvim, que nele enfeixou crônicas inéditas e alguns contos ambientados na nossa inesquecível cidade de Pinheiro.
Para não fugir do viés histórico, o autor traz a lume informações sobre as marchas e contramarchas com que alguns dos nossos próceres se depararam quando da emancipação do emergente povoado, atrelado à comarca de Guimarães e das demandas para conseguirem a autonomia como vila, assim como a posse da terra imprescindível para a formação do município, uma vez que o mesmo se encontrava assentado sobre sesmaria doada a índios, em 1806. As gerações atuais, certamente desconhecem esses fatos, pois desinformadas desde o ensino fundamental e alienadas pelo mito da linhagem nobre do fundador e da origem dos primeiros povoadores, convenceram-se serem detentores dos mesmos privilégios e regalias dos alcantarenses e dos vimarenses, confirmando a assertiva de Jean Cocteau a história é a verdade deformada; a lenda é a falsidade que se encarna.
As dificuldades, no entanto foram imensas e as lutas travadas, mesquinhas, tensas e demoradas, de 1838 até 1888, perfazendo cinqüenta anos.
A história, porém não é feita somente de fatos históricos, também de informações, à primeira vista destituídas de importância, mas que representam o cotidiano, as coisas prosaicas daquela gente vinda de todas as regiões circunvizinhas, atraída pelo lago piscoso da Faveira; pelo encanto dos seus verdes campos inundáveis balizados pelos oiteiros do Finca (Santana) e o de São Carlos; pela beleza dos seus babaçuais; pelo clima ameno e agradável; pela fertilidade do seu solo propício ao cultivo de mandioca, arroz e algodão ou pela premonição da grandeza do seu futuro, através da trajetória de um dos seus filhos que viria a ser mandatário do Estado (1965), do País (1985), projetando Pinheiro a nível nacional. Ou simplesmente pela certeza dos nossos ancestrais que garantiram a sua perpetuação, para que nós, seus descendentes, pudéssemos estar hoje aqui reunidos!
Aymoré, através dos seus textos, num estilo leve e envolvente, revela usos e costumes dos moradores entre as décadas de 1950-60, suas crenças, superstições, seus mitos, seu linguajar e até seus pequenos vícios e cacoetes e as tarefas miúdas que lhes possibilitava a sua sobrevivência.
No mais são historietas que têm como personagem central o nosso pai, José Paulo Alvim, falecido há sessenta anos, mas que ainda é o referencial que serviu de paradigma para definir e orientar nossas vidas. Aymoré optou por um tom brejeiro, pela graça, às vezes sutilmente marota, captando o humor fino e espirituoso com que papai se dirigia aos seus fregueses-amigos, ensinando-lhes através de metáforas, para não ferir-lhes a suscetibilidade, rudimentos antropológicos que lhes tornassem menos sofridas as agruras do seu dia-a-dia. Esse foi o tributo de suor, lágrimas e às vezes sangue imposto aos nossos antepassados, para permitir e assegurar-nos a posse da terra, possibilitando-nos uma vida mais tranquila, sem grandes atropelos e sacrifícios.
Confinado na farmácia, quando não estava na escola ou preparando tarefas escolares, Aymoré, geralmente de castigo por alguma traquinagem ajudava na arrumação dos frascos de medicamentos nas estantes, empacotando ervas medicinais que eram vendidas a retalho, não perdendo um só dos diálogos mantidos por papai com os seus caboclos, como carinhosamente ele tratava os fregueses do interior, quando vinham pedir-lhes um conselho para os seus problemas pessoais, um lenitivo para seus males físicos.
Atento, orelhas em pé, ouvidos aguçados Aymoré não perdia uma só palavra e depois de mais de sessenta anos ele resgata das brumas do olvido o teor daquelas consultas ipsi litteris e as recomendações de papai, principalmente a dieta à base de galinha, para suprir o déficit protéico, causado pelas constantes verminoses e o repouso necessário ao corpo cansado, proibindo-os de olhar mato verde.
Esse era Seu ZéAlvim, grande figura que soube em terra estranha superar as dificuldades iniciais e vencer preconceitos, tornando-se tão autenticamente nativo como se houvera ali nascido, sábio em seu saber de experiência feito, conhecedor das misérias humanas, físicas, materiais e morais, aconselhando, orientando e cuidando daquela gente que aprendeu a amá-lo e a respeitá-lo e a quem ele se afeiçoou. Nós, os seus filhos, o reverenciamos até hoje.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

MEUS PRIMEIROS CEM ANOS

José Márcio Soares Leite *

No dia 21 de janeiro deste ano tive a felicidade de participar do aniversário natalício da senhora Inês de Castro Loureiro, que completou 100 anos, cercada pelo carinho dos filhos e amigos que ali se fizeram presentes, regozijando-se em vê-la lúcida, loquaz e a manter com todos uma boa prosa, bem ao estilo de sua verve.
Ao nos despedirmos, mais uma grata surpresa, fui presenteado pela anfitriã com um exemplar de sua obra “Meus primeiros Cem Anos ”que, segundo relato da filha Moema, foi todo escrito a partir da narrativa de dona Inês.
Confesso que logo ao chegar em casa, não resisti à curiosidade e comecei a deleitar-me com tão preciosas páginas, a narrar fatos de sua vida pessoal e principalmente, acontecimentos importantes da história de Pinheiro no século XX, sob os pontos de vista sociais, médicos, econômicos, religiosos, políticos, culturais e educacionais, com riqueza de detalhes, haja vista ter sido protagonista de muitos deles. Uma narração simples, bem ao seu estilo, mas de leitura prazerosa, que desperta o interesse de conhecer e até mesmo de entender importantes passagens históricas sobre o cotidiano daquela cidade, sua gente, seus costumes, seu desenvolvimento e crescimento econômico, cenários esses que eram desconhecidos por mim e creio, por muitos pinheirenses.
Um livro que, sem dúvida alguma, vai somar-se a mais uma descrição histórica da nossa Cidade de Pinheiro, completando e até acrescentando algumas vezes, o que está escrito nas obras Quadros da Vida Pinheirense, de Jerônimo Viveiros, Pinheiro em foco de Aymoré de Castro Alvim, Coisas de Antanho de Josias Peixoto de Abreu, Lugar das Águas de José Jorge Leite Soares e A Saga de um Lutador, do Parnaiba ao Pericumã, por mim escrito, sobre a biografia do meu pai Orlando Leite.
Inês revela-nos, por exemplo, importantes acontecimentos da história da saúde pública de Pinheiro, muitos dos quais gravitaram em torno da Farmácia da Paz, de propriedade de seu primeiro marido José Paulo Alvim, homem de inteligência brilhante, e que por muitos anos cuidou da saúde da população até que a cidade viesse a ter seu primeiro médico.
É importante destacar também que, mesmo talvez não sendo essa sua pretensão, a obre termina por revelar-nos, no campo da sociologia, como se processava a vida cotidiana da cidade, os tipos humanos que formavam a sociedade pinheirense do século XX, cuja convivência e congraçamento eram característicos de uma única e grande família, à exceção de alguma situação política pontual.
Por último, a autora nos dá uma dica sobre o que devemos fazer para alcançar uma idade tão longeva, a saber: Viver, viver e viver. O primeiro viver – olhar a vida sempre com otimismo. Ao levantar-se sentir o sol invadindo a alma, fortificando o espírito; o segundo viver – preparar o corpo para as lides diárias e para o futuro; o terceiro viver – manter-se atualizado com o mundo à sua volta. Leia muito sempre.
Esta lição de dona Inês fez-me recordar a obra Regimen Sanitatis Salernitatum (O Regimento da Saúde de Salerno escrito provavelmente no século XII, e publicado na Inglaterra, na Itália e na Alemanha no século XIX. Escrito em versos, que bem ilustram este clássico de educação em saúde: “Por estas linhas a Escola de Salerno deseja toda saúde ao Rei dos ingleses e aconselha: A mente, mantenha-se livre, e, da ira o coração. Não beba muito vinho, ceie pouco, levante cedo. Depois de comer, ficar sentado causa danos. Depois do almoço, mantenha aberto seus olhos. Quando sentir as necessidades da natureza, não as retenha, pois é muito perigoso. E use ainda três médicos, primeiro o doutor descanso, depois o doutor alegria e o doutor dieta.”
Ao finalizar este artigo não vislumbro algo mais significativo para homenagear Inês de Castro Loureiro pelos bem vividos 100 anos, do que este trecho de um poema do seu segundo marido, o poeta e acadêmico Abílio da Silva Loureiro: “Tens no rosto, Inez a luz divina. Nos olhos, os raios típicos da alvorada. Beleza escultural da minha alma. Do meu vergel és rosa que ilumina...”
* Professor Doutor em Ciências da Saúde. Presidente da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências (APLAC).