MOEMA

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PAPIRUS DO EGITO

sábado, 26 de outubro de 2013

É TEMPO DE MURICI CADA UM CUIDE DE SI



O murici é o fruto do muricizeiro, planta da Família das Malpighiaceae, com  várias espécies, dentre as quais cem a duzentas já descritas. Dessas as mais conhecidas são: Byrsonima basiloga, B. verbascifolia,   B. crassifólia, B. sericea, B. lancifolia, B.gardneriana.
Apesar da sua importância botânica, seu potencial econômico e seu papel no desenvolvimento regional, essa fruta é pouco pesquisada entre nós. Conhecida pelos silvícolas muito antes da chegada dos portugueses, o murici, em tupi–guarani  moriciba que significa  árvore pequena ou mborici – fruto doce. A primeira referência a ela foi feita em 1570 pelo Padre Gabriel Soares de Souza; no século seguinte, já  denominada  murici, foi considerada nativa no Maranhão e desenhada por Frei Cristóvão de Lisboa que aqui viveu entre 1624-1635: “Murici é árvore de dez ou doze palmos de altura e tem a fruta como cereja, toda amarela; e há-as ao longo do mar, as folhas são de um verde pardo e as flores amarelas, e há muita quantidade, e os negros vão a eles como nós fazemos com as cerejas”. Mais tarde, no início do século XIX (1826) Frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres Maranhão deixou a seguinte descrição:” árvore pequena, que produz uma espécie de ginja amarela.”
O muricizeiro mede  de 6 a 16 m.;  suas folhas  são rígidas, coriáceas, simples,   alternadas, longas e lanceoladas e chegam a medir 13cm de comprimento, cobertas de pelos ou lisas na parte superior, enquanto na inferior são pubescentes; tronco tortuoso, geralmente com nós; raízes profundas, desenvolvendo-se  em solos arenosos ou argilo-arenosos com boa drenagem. As flores em número de 15 a 35 são dispostas em cachos e podem ser brancas, amarelas ou vermelhas, dependendo da espécie. A polinização cruzada é feita por abelhas, principalmente do gênero Apis que procuram no muricizeiro não só o pólen, néctar, resinas e aromas, mas lipídio floral, armazenado nas glândulas visíveis do cálice das flores. Também serve de abrigo para o acasalamento  e marcação de território.
São espécies de clima quente e úmido, encontradas nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Tocantins e Distrito Federal. Nas regiões Norte e Nordeste são frequentes na faixa litorânea de praticamente todos os estados, principalmente do Ceará ao Acre. 
Os frutos são drupas arredondadas com 1,50 a 2,00cm de diâmetro, travosos quando verdes, tornando-se amarelos e doces quando amadurecem; polpa carnosa, translúcida, de cheiro e gosto muito ativos. Sementes grandes. A fruta recebe várias denominações de acordo com a região: murici do campo, da chapada, da mata, da capoeira, da serra, do brejo, da praia.
O sabor  agridoce é intenso com cheiro característico; ácida e oleosa podendo  ser comida in natura ou consumida sob a forma de sucos, sorvetes, doces, geleias,  licores, conservas de pimenta. Usada, também, para  aromatizar aguardente.
Planta nativa do bioma Cerrado, pode, ser encontrada em outros biomas como em tabuleiros  da Mata, apresentando  uma variedade de espécies distribuídas em ecossistemas diferentes, em função das variações edáficas que se traduzem  na cor e tamanho dos frutos e das sementes e locais de ocorrência.  O muricizeiro é um dos vegetais que mais sofre com a degradação ambiental, devida ao processo acelerado de ocupação agrícola, aliada à exploração extrativista e predatória.
O seu cultivo racional  vem sendo realizado no Pará e no Maranhão pareada  com a criação de abelhas, para obtenção de mel mais puro e livre dos resíduos de agrotóxicos. Essas abelhas são importantes no ciclo de vida do muricizeiro.
Floresce entre os meses de agosto e novembro e a maturação se completa em dezembro.
A espécie encontrada no Norte e Nordeste, é B. crassifólia, com espécimes de até  5m,  tronco cilíndrico, casca escura e áspera, copa estreita. Galhos frágeis sustentando as folhas ovais, simples e opostas, inicialmente avermelhadas depois passando para verde-escuro. Flores branco-rosadas, formando inflorescência; hermafroditas, auto-férteis e emitidas na extremidade dos ramos. Frutifica  quatro anos após o planto.
 B. verbascifolia  é típica do Cerrado e suas folhas são largas e duras.
 B. sericea é encontrada no leste de Minas Gerais, em terrenos úmidos, próximos a rios e lagos. Seus frutos são pequenos (0,8cm) e continuam verdes mesmo quando maduros.
B. gardneriana, também chamada murici-pitanga  é prevalente em tabuleiros da Mata.
B. lancifolia, “moreciba-guassu” que  em guaraní significa bebida resinosa. Encontrado na Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul.
                                 

                         
                               VALOR ALIMENTÍCIO

Decorre  dos altos teores de proteínas, fibras, Vit. B1, B2 e niacina, Vit. C e sais minerais como cálcio, fósforo e ferro, tendo já despertado o interesse de indústrias alimentícias internacionais.
Quando dessecadas, sob a forma de passas, perdem 25% de umidade e o seu valor energético triplica em proteínas, carboidratos, lipídeos e fibras.
                                                     
   USO NA INDÚSTRIA E NA MEDICINA POPULAR

A madeira  amarelada ou avermelhada pode ser utilizada na construção civil. A casca, rica em tanino (15 a 20%) é usada para curtir couros. O muricizeiro pode ser empregado em projetos de arborização, sendo uma das plantas consideradas pelos ecólogos na recomposição da degradação ambiental.
Os principais princípios ativos são: tanino, pigmentos, gordura e fitosteróis que lhe conferem propriedades anti-inflamatórias e anti-oxidantes. O óleo  floral é um recurso rico em energia.
Em medicina popular o chá das folhas é utilizado  para afecções da boca como gengivite, amigdalite, faringite. Em banhos de assento, o decocto das folhas é empregado em caso de hemorróidas.
A casca, por ser adstringente é usada como anti-térmica e no combate à tosse e bronquite. Laxante leve quando consumida com açúcar. Por sua adstringência é indicada como protetor da mucosa intestinal.

                      CURIOSIDADES

Conhecido em vários Estados, o murici dá nome a cidades, cursos dágua, bandas de forró, sendo até nome de Família. Em Alagoas o Festival da Natureza no município de Murici é muito afamado.
Em sua obra magistral – Os Sertões – Euclides da Cunha, no relato da Guerra dos Canudos, atribui ao Cel. Pedro Tamarindo, que  abandonara a coluna liderada pelo Cel. Moreira César, abatido em pleno combate, a expressão: “É tempo de murici cada um cuide de si.” A expedição do Cel. Moreira César, a terceira enviada para combater os seguidores de Antônio Conselheiro, não tinha planos táticos, assim como era falha em organização e equipamentos. Após ser alvejado mortalmente houve a debandada geral da tropa que ficara sob o comando do Cel. Tamarindo, lugar-tenente da tropa, embora  inadequado ao posto. Sem ter forças pra arregimentar a tropa chegou a abandonar o corpo do seu comandante à beira da estrada.
“Mais tarde arrependido volveu à retaguarda, agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos, penitenciando-se heroicamente na hora da catástrofe, da tibieza anterior, ao deparar com aquele quadro estupendo, procurou debalde socorrer os únicos soldados que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto, ordenou toques repetidos de “meia volta, alto”. As notas das cornetas, convulsivas, emitidas pelos corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente. Ou melhor, aceleraram a fuga. Naquela desordem só havia uma determinação possível: debandar.”
“Debalde alguns oficiais indignados, engatilharam revólveres ao peito dos foragidos. Não havia como contê-los. Passavam; corriam; corriam doidamente; corriam dos oficiais; corriam dos jagunços e ao verem aqueles, que eram de preferência alvejados pelos últimos, caírem malferidos, não se comoviam”. E o Cel. Tamarindo? “Logo adiante, na ocasião em que transpunha a galope o córrego do Angico, o Coronel foi precipitado do cavalo por uma bala. Antes de morrer, no entanto, deu uma última ordem: “procurem o  Cunha Matos”. Após sua morte, teve o seu corpo empalado e erguido num galho seco de angico, oscilando ao vento, onde permaneceu longo tempo.
Assim foi anulada, dispersa, desaparecida a terceira expedição, permanecendo desse episódio a célebre frase, atualmente transformada em Lei do Murici.
        
                     LEI DO MURICI

Muito praticada nos dias atuais, por todos nós, que na correria do dia a dia, arrumamos mil desculpas para não olhar para o lado e estender a mão aos nossos irmãos carentes. Estamos sempre preocupados com nossos problemas, com o nosso bem-estar e da nossa família, cultivando o egoísmo. Cada indivíduo se volta para si, sem preocupar-se com o próximo, isolando-se cada vez mais, esquecendo-se  do mundo que o rodeia, criando uma sociedade individualista.
A Lei do Muricí tem a sua explicação desde o século XVIII, na teoria  enunciada pelo filósofo francês Etienne Bonnot Condillac (1715-1780) em seu Tratado das Sensações, publicado em 1754, através do qual ele defende que todas as ideias provém dos sentidos. Explica, também, que o prazer ou o sofrimento ocupam a nossa capacidade de sentir, produzindo a atenção de onde se forma a memória e o juízo: os seres vivos desenvolvem a teoria de que a sensação é a única forma de vida e que sempre escolhemos o melhor para nós, o que mais nos agrada fazer, concorrendo assim, para  maximizar o prazer e minimizar a dor. Entretanto nem sempre essas escolhas são feitas de modo racional.
Condillac, abade e preceptor do Infante Fernando de Parma (filho de Luiz XV), era membro das  Academias Francesa e Alemã. Foi amigo de Diderot, Rousseau e Duclos, tendo sido discípulo de Bacon e de Locke.
Com efeito, é o que fazemos quando desejamos algo, achando que o gozo de um bem nos é necessário. Logo a nossa reflexão se ocupa unicamente do que nos dá prazer. O desejo não é, pois, senão a ação das próprias faculdades de atribuir ao entendimento e que estando determinado em direção a um objeto pela inquietude que causa sua privação, também, a ação das faculdades do corpo. Assim, se do desejo nascem as paixões, o amor, o ódio, a esperança, o medo, a vontade, esses sentimentos nada mais são senão a transformação das sensações.
E comandados, inconscientemente por esse pressuposto, nos tornamos cada vez mais egoístas, insensíveis, hedonistas, e menos solidários e compassivos, fazendo valer a Lei do Murici:”É tempo de murici, cada um cuide de si”.




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Um comentário:

  1. beleza Moema, agora, em tempo de murici..... , vemos todos os dias no trabalho, Parabéns pelo belo e oportunas colocações .

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